#5 - Second Level Thinking: Boas empresas X Bons investimentos

#5 - Second Level Thinking: Boas empresas X Bons investimentos

Leia a seguinte análise de investimento:

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"A Rising Star (RSST3) é uma empresa líder em seu segmento.

Com décadas de tradição em seu setor, está constantemente inovando seus produtos e processos, de olho nas tendências, nas necessidades e preferências de seus clientes.

Nos últimos anos, a empresa apresentou crescimento acima da média de seus pares, ganhando participação em seus principais mercados de atuação.

Ao mesmo tempo, manteve suas margens de lucro em patamares saudáveis e bastante interessantes, dados os ganhos de escalas crescentes que capturou ao longo desse processo de crescimento e de investimentos realizados em novas tecnologias.

Olhando para frente, concluo que as perspectivas são muito positivas.

Com diversos concorrentes enfraquecidos por conta da crise, a Rising Star deve seguir ampliando seu market share.

Isso deve acontecer de forma ainda mais acelerada do que no passado recente, dada a ampliação do investimento em inovação e lançamento de novos produtos.

Paralelamente, devem ser iniciadas as primeiras exportações. 

Num primeiro momento, elas serão feitas em parceria com distribuidores locais, nos países mais atrativos da América do Sul. Mas, futuramente, a ideia será montar estruturas próprias de vendas em cada um deles.

No lado da governança, a expectativa já indicada pela Rising é de que ela inicie, em breve, um processo de migração para o Novo Mercado, aderindo aos padrões mais elevados de governança corporativa e ESG.

Assim, deve ficar ainda mais alinhada e focada na criação de valor ao acionista, pavimentando e preparando seu caminho para uma possível listagem na bolsa de Nova Iorque. "

*Esta é uma análise meramente ilustrativa

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E aí, investidor, ficou a fim de investir em RSST3 e surfar essa onda positiva que está vindo aí?

Impossível não ficar motivado depois desse pitch (argumento de venda).

Com tudo o que foi descrito ali, o destino dessa ação só pode ser um: a estratosfera!

Se tudo isso de fato se concretizar, eu só consigo imaginar que o preço de RSST3 vai dobrar ou triplicar nos próximos meses e anos.

Não é mesmo?

Claro, se acontecer alguma crise no meio do caminho, talvez, toda essa perspectiva positiva não se concretize…

Afinal, dificilmente uma empresa passa incólume por uma crise.

O lucro, de repente, não cresceria tanto e ela teria de adiar os planos de internacionalização…

Aí seria compreensível a RSST3 também não performar tão bem, dado que a empresa teria uns solavancos em seu caminho de crescimento.

Mas vamos agora, por um momento, só trabalhar com a hipótese de que tudo, de fato, se concretize conforme esse planejamento de “céu de brigadeiro”.

O que ainda pode fazer com que essa ação não decole?

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Para Howard Marks, autor de “The Most Important Thing” (“O Mais Importante para o Investidor”, título da versão traduzida para o português), e para mim também, está faltando, nessa análise, a principal informação para qualquer tomada de decisão de investimento.

E ela diz respeito à seguinte pergunta: será que isso tudo já não está refletido no preço da RSST3 em bolsa?

  • Essa pergunta é basicamente o que Marks chama, em seu livro, de “second level thinking”. Traduzindo aqui livremente, seria algo como um “pensamento em segundo nível”.

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O second level thinking é um conceito muito importante.

Tanto que, a esse princípio, dedicou-se um capítulo inteiro do livro, que é citado inclusive em conexão com diversos outros.

Por isso, essa semana, eu gostaria de dedicar a Trein das 7, a falar um pouco sobre esse termo cunhado pelo autor e co-fundador da Oaktree Capital, uma gestora de investimentos criada em 1995, que hoje tem mais de US$ 160 bilhões sob gestão e uma equipe de mais de 1.000 pessoas.

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Segundo Marks, todo aquele racional que eu criei lá no começo do texto, em cima dessa empresa fictícia chamada "Rising Star", seria o first level thinking ou “pensamento em primeiro nível”.

  • Daria para traduzir também como um “pensamento básico” ou um “ponto de partida”.

Que, pelo que ele observa, é onde a maior parte dos agentes do mercado acaba já concluindo as suas análises (obviamente erradas).

Diversas vezes, já me deparei com análises assim, feitas somente “em primeiro nível” e que olhavam só para um dos lados da moeda.

Ou seja, para o aspecto da qualidade da empresa ou dos lucros que ela geraria ao longo dos próximos anos.

Mas sem gastar uma vírgula sequer para, ao menos, tentar avaliar o quanto daquilo ali já não estava refletido no preço da ação.

Retomando e fazendo um gancho com a News da semana passada, é como se eu estivesse olhando para o valuation da empresa...

...mas estivesse esquecendo de dar aquele passinho adicional, que é comparar esse valuation com a cotação dela na bolsa.

No entanto, nas palavras do experiente - e que também está em vias de se tornar lendário - Howard Marks:

“Investment success doesn’t come from ‘buying good things’, but rather from ‘buying things well’.”

Em uma tradução livre: “Sucesso, em investimentos, não vem de você ‘comprar bons ativos’, mas especialmente de ‘comprar bem os ativos’.”

O preço que se está pagando é importantíssimo. Fundamental!

Adentrar o campo do pensamento em segundo nível (second level thinking) significa questionar o quanto da situação atual e das perspectivas futuras da empresa já estão refletidas no preço da ação.

Esse questionamento é fundamental em qualquer análise.

No entanto, é mais fácil entender o porquê da sua importância nas ações mais líquidas, mais bem conhecidas e bem cobertas por analistas de bancos de investimento e casas de análise.

Em uma ação suficientemente líquida e conhecida pelo mercado, as informações disponíveis sobre a empresa e suas perspectivas futuras tendem a estar todas refletidas no preço, justamente em função da maior difusão do conhecimento sobre ela.

Voltando para a Rising Star, isso significa que todas as informações que eu listei sobre ela, lá no começo da News, já são de conhecimento de boa parte do mercado.

VOCÊ PRECISA ACERTAR MAIS QUE OS OUTROS INVESTIDORES

Sendo assim, será que elas já não estão precificadas pelo mercado?

E, se estiverem, será que a cotação de RSST3 ainda teria espaço para proporcionar um ganho anormal à medida em que toda essa sequência de desenvolvimentos positivos se desenrolar?

A resposta é não.

E Marks também dá a explicação de por que não.

Segundo ele, qualquer retorno anormal só é obtido por um investidor que, de alguma forma, acerta mais que os demais.

Nesse sentido, não basta estar certo quando todo o restante do mercado também está acertando junto com você.

Isso não vai render retornos anormais nos seus investimentos ao longo do tempo.

Para obter retornos acima da média do mercado, você tem que acertar onde os outros estão errando.

Ou seja, deveria ter comprado a RSST3 antes de todo mundo ficar sabendo que ela iria acelerar o lançamento de produtos e se internacionalizar.

Ou então, achar alguma outra empresa sobre a qual você tenha um conhecimento superior à média de mercado.

E isso tudo, é claro, sem infringir as regras da CVM sobre insider trading (uso de informações privilegiadas).

Vamos a alguns exemplos reais, que sempre ajudam a deixar as coisas mais claras. 

EXEMPLOS REAIS

Selecionei 2 empresas reconhecidas pelo mercado como cases de ótima qualidade em termos de modelo de negócios e resultados, e que, operacionalmente, performaram bem durante e após a pandemia.

A primeira é a Lojas Renner. Observe os gráficos abaixo:

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  • No primeiro gráfico, que mostra a evolução do lucro líquido da Renner em períodos de 12 meses, é possível ver o impacto da pandemia e do fechamento temporário das lojas em 2020.

Também é possível ver como a empresa se recuperou rapidamente, de maneira que, nos 12 meses encerrados no primeiro trimestre de 2022, já havia praticamente recuperado o nível de lucratividade que tinha em 2019.

No entanto, o preço da ação não reflete isso. Não está hoje no mesmo patamar que estava em 2019. Está abaixo disso.

E, mesmo quem comprou a ação no momento em que ela divulgava seu menor resultado em 12 meses, por volta de julho de 2021, não obteve um resultado nem perto do que se poderia considerar satisfatório, dada a recuperação “em V” dos lucros a partir dali: está amargando uma queda de quase 40%.

Não vou nem falar muito de quem pegou a ação no pico pré-pandemia.

Vou me limitar a dizer que quem comprou a ação no seu pico está hoje com um saldo de menos da metade do que investiu.

Isso significa que a Lojas Renner deixou de ser uma boa empresa?

Provavelmente não.

Significa apenas que não foi um bom investimento durante esse período.

E isso muito em função do patamar de preços em que se encontrava no período pré-pandemia e durante 2021.

Ela era (e continua sendo) uma boa empresa, tanto que vem performando muito bem, dado o choque que sofreu. Mas não era um bom investimento naqueles níveis de preço.

Vamos a outro exemplo:

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Na Weg, outro case bastante conhecido pelo mercado, a figura é, para mim, ainda mais marcante.

Não só a empresa não sofreu nada com a pandemia, como também seguiu crescendo seus lucros após o choque provocado pelo período de isolamento social.

E o desempenho da ação?

Nada animador ultimamente. Está caindo cerca de 20% esse ano e em queda de mais de 40% em relação ao pico atingido no início de 2021.

E mais impressionante do que isso: o preço da ação está no mesmo patamar em que estava antes da pandemia, apesar de o lucro, de lá para cá, ter dobrado!

Mais uma vez: estamos diante de uma empresa que se transformou do vinho para a água?

Difícil afirmar isso olhando para um lucro que não para de subir, né?

Mais uma vez, o que aconteceu foi apenas que, durante esse período, ela não foi um bom investimento e isso basicamente por não ter sido uma boa compra naqueles patamares mais elevados de preço.

  • Nessas horas, eu fico me perguntando: mas o que será que o mercado estava esperando da Renner em 2019?

Tudo bem, ninguém esperava a pandemia, ela pegou todo mundo de surpresa e teve um impacto negativo sobre os resultados e geração de caixa da empresa.

Parecido com o que vimos nos exemplos hipotéticos de valuation que eu trouxe na última News.

Não fosse ela, provavelmente os resultados da empresa estariam até melhores hoje. 

Ao menos é o que se supõe…

E a Weg?

Que dobrou seu lucro desde o período pré-pandemia?

  • o que diabos o mercado estava esperando dessa empresa no início de 2021 para agora se mostrar tão “decepcionado” com ela?

Outra pergunta interessante que me vem à cabeça é: quanto teria que ser o lucro de cada uma delas hoje, para que o mercado apenas mantivesse as suas cotações próximas das máximas que cada uma atingiu no passado recente?

E quão razoável seria ter essas expectativas nos momentos em que as ações estavam em suas máximas?

Os dois exemplos ilustram muito bem como as cotações de ações podem andar em sentido oposto ao desempenho das respectivas empresas.

E mostram também como a análise de primeiro nível (first level thinking) não é suficiente para uma tomada de decisão de investimento acertada, mesmo que, em ambos os casos, provavelmente, teria sido bem positiva.

É preciso saber identificar quando os preços das ações deixam pouco ou nenhum espaço para ganhos, mesmo em empresas de alta qualidade.  

Para obter retornos diferenciados quando se investe em ações, é necessário acertar mais do que os demais.

No caso das duas ações analisadas aqui, quem não as comprou nos últimos tempos já acertou mais do que quem as carregou.

  • Aqui cabe mais uma ressalva: o objetivo macro de investir é conseguir tirar o melhor do nosso capital, afinal sabemos que não vamos ter forças para trabalhar o resto da vida (ou simplesmente não queremos).

Logo, tão importante quanto investir, é saber o momento que nossos investimentos vão nos dar a independência financeira. E para que você, não tenha que ficar se matando de fazer contas, vou deixar aqui o link da nossa calculadora de independência financeira - basta clicar aqui.  

Por fim, para deixar bem claro: essas ações não são recomendações de investimentos!

Nem de compra, nem de venda de LREN3, nem de compra nem de venda de WEGE3.

E nem de RSST3, caso um dia alguma ação com esse código venha a existir.

Um abraço e uma semana repleta de second level thinking para você!

Por André Trein

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