Não basta crescer, é preciso modernizar!

Não chega a ser novidade, mas não custa lembrar. Além do ajuste fiscal que, ao lado da crise política e do escândalo da Petrobras, tem liderado o ranking do espaço em mídia, o Brasil tem o desafio da retomada do crescimento. Mas, crescimento sustentável – como aquele que, segundo a equipe econômica, deve suceder ao ajuste fiscal - requer a modernização da economia.

Produtividade e eficiência, racionalização de custos, preços realistas, inovação tecnológica e, principalmente, revisão de paradigmas são variáveis determinantes para o resgate da competitividade interna e externa em um mercado global cujos processos, procedimentos e, principalmente, exigências do consumidor, estão em acelerada mutação exatamente por conta de inovações tecnológicas derivadas da tecnologia da informação. Ao mesmo tempo, internamente eles auxiliam na melhoria e fluidez das relações fornecedor/consumidor, o que contribui para a redução de custos, eficiência, produtividade, etc, gerando um círculo virtuoso que, em última instância, resulta em processo contínuo de modernização em benefício da qualidade de vida.

A novidade é que, enquanto em Brasília, compreensivelmente, as atenções concentram-se na administração das três crises citadas acima – pois seu desdobramento determinará como ficará a economia no médio prazo - no mercado já se nota um reposicionamento de atores e forças com foco em processos de modernização.

Não se trata de movimentos generalizados ou de grande amplitude. Na verdade, são iniciativas mais isoladas e restritas a nichos. No entanto, quando uma linha invisível consegue conectar umas às outras, percebe-se que sementes estão germinando em vários pontos diferentes, à espera do solo propício para germinar.

Não se trata apenas dos investidores externos que ingressam no país em um momento de câmbio favorável, valor dos ativos em baixa ou espaço aberto pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Além de internalizar recursos, eles trazem consigo práticas e conhecimentos muitas vezes não acessíveis às empresas locais. (É o caso da State Grid, que venceu o leilão do 2o. linhão de Belo Monte e que é, se não a única, uma das poucas no mercado global a dominar a tecnologia de linhas de longa distância em extra-alta tensão.) Há, também, as soluções inovadoras que têm surgido a partir de atores nacionais, com base na busca de soluções para as demandas locais ou na observação da experiência internacional.  

Para ilustrar esses movimentos, seguem alguns exemplos referentes ao setor de energia, foco do trabalho da MMA Comunicação de Negócios.

  • Estados: Começam a se movimentar de maneira proativa e criativa para expandir a oferta local de energia elétrica dentro de uma política pública mais ampla e que integra vários segmentos. Um exemplo é São Paulo que, mesmo sem ter apresentado à opinião pública um documento formal, alinhava projeto que, simultaneamente, pode resolver importantes desafios locais: despoluição do Rio Pinheiros, expansão da oferta de energia renovável, sustentabilidade econômico-financeira da CESP e da Emae e expansão da oferta de gás natural. Santa Catarina, com a proposta de expansão da energia renovável capitaneada pela Celesc, e Pernambuco, com os leilões estaduais de energia solar, são exemplos que seguem na mesma direção. Se bem sucedidos nestas iniciativas, podem inaugurar uma fase de maior autonomia regional em um setor hoje com comando operacional e regulatório bastante centralizado.
  • Petrobras: A reestruturação e venda de ativos da Transportadora Associada de Gás (TAG), que opera os gasodutos da Petrobras, foi aprovada pelo Conselho de Administração, segundo o jornal O Estado de S. Paulo (28/07). É significativo que esta tenha sido a primeira decisão tomada dentro do programa de desinvestimentos da empresa, pois não só beneficia o seu caixa como tem impacto direto em toda a estrutura do setor de gás natural, em benefício da expansão da oferta e da redução dos preços internos. Como se sabe, um dos principais entraves à modernização desse setor é exatamente o monopólio exercido pela Petrobras em todos os elos da cadeia produtiva, dos quais o mais estratégico é, exatamente, o transporte.
  • Storage: Ainda é incipiente, porém se propaga em ritmo acelerado dentro do setor elétrico. O conceito abrange práticas e procedimentos, baseados em inovações tecnológicas, para armazenamento de energia elétrica, em benefício da expansão da oferta e do aumento da qualidade da energia recebida pelo consumidor final. As baterias, como aquelas recentemente anunciadas pela Sun Edison, são o seu ponto mais visível, mas não o único. Tem efeitos positivos tanto sobre a estrutura atualmente existente – por potencialmente reduzir o número de apagões provocados por problemas na rede de transmissão, por exemplo – quanto sobre as novas tendências de expansão da oferta (mitigando a sazonalidade da produção dos parques eólicos e usinas fotovoltaicas) e do consumo (favorecendo, por exemplo, o abastecimento de carros elétricos). No entanto, não é apenas uma solução técnica e operacional. Se implantado nos moldes observados no exterior, pode provocar profundas alterações na relações comerciais entre todos os agentes – a começar do consumidor.
  • Fontes renováveis: Implantadas no Brasil já há algum tempo, dependem de regulação adequada para se expandir entre as pequenas unidades consumidoras (basicamente residências), a exemplo do que já ocorre em vários países do exterior. É o caso da micro-geração solar e eólica. Juntas ao Storage, podem provocar as mudanças citadas no item anterior. Além disso, sua aplicação não tem se restringido às usinas, qualquer que seja o seu porte. Objetos de consumo, como carregadores de celulares e mochilas dotados de placas geradoras para pequenas potências, também já comuns no exterior, começam a chegar ao país e só dependem de tempo e terreno favorável para se consolidar.
  • Startups: Há poucos dias, o jornal Valor Econômico registrou que os recursos destinados por investidores anjo a startups pode chegar a R$ 1,4 bilhão em 2015 – um salto de mais de 100% em relação ao acumulado no período 2013/2014. Menos de uma semana depois, no mesmo jornal, veio a notícia de que a Agência de Desenvolvimento Paulista – DesenvolveSP, facilitará o acesso de micro, pequenas e médias empresas a financiamentos voltados a inovação, mesmo que não tenham garantias a oferecer. E, na mesma edição, estava a notícia de que o grupo Enel (Italia), um dos maiores do mundo em energia, está prestes a investir e apoiar empresas brasileiras de desenvolvimento tecnológico para o setor elétrico (startups e empresas em estágio mais avançado). O que também chamou atenção foram as declarações de Marcelo Llévens, principal executivo do grupo no Brasil: “Vemos uma evolução tecnológica muito grande na geração distribuída com energia solar, na mobilidade elétrica e no armazenamento de energia, pelo uso de baterias. E os eletrodomésticos serão cada vez mais inteligentes. No futuro próximo, tudo isso vai convergir”.
  • Mercado livre: Foi constituída, no Congresso Nacional, Frente Parlamentar em defesa do mercado livre de energia elétrica. A proposta é que, por meio de uma abertura gradual, em poucos anos todos os consumidores possam escolher o seu fornecedor – a exemplo do que já ocorre com telefonia fixa e celular. Se a proposta avançar, assim como a micro-geração renovável, o mercado brasileiro poderá se assemelhar aos europeus. Na Austrália, por exemplo, com um mercado totalmente liberado – e onde o preço apresenta estabilidade muito maior que o PLD - embora grandes cargas sejam atendidas por fontes fósseis (carvão e gás natural), boa parte das residências produz sua própria energia elétrica.

Frente a estes dados, a grande pergunta que fica é: se esta movimentação é visível no setor de energia, não estaria acontecendo, também, em outros setores? E, um desdobramento: após a solução das três grandes crises atuais, como o projeto-Brasil tratará esta movimentação no processo de estímulo à retomada do crescimento? Tentará inseri-las na estrutura econômica atual, cujos sinais de desgastes ficaram visíveis na atual conjuntura de turbulência, ou serão utilizadas como inputs para revisão uma efetiva desta estrutura a partir de políticas públicas mais amplas?

Publicado originalmente no website www.mmacomunicacao.com.br

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