Principais Estratégias Hidroagrícolas Sustentáveis para o Século XXI

Principais Estratégias Hidroagrícolas Sustentáveis para o Século XXI

A água é componente vital para o crescimento e desenvolvimento de qualquer lavoura agrícola. Sem ela, as plantas não conseguem absorvem nutrientes, realizar a fotossíntese ou regular sua temperatura, o que compromete sua saúde e produtividade. A disponibilidade adequada de água garante que os processos fisiológicos ocorram corretamente, promovendo um crescimento robusto e eficiente das culturas.

A gestão eficiente da água ainda é desafio constante para os agricultores modernos que tem lidado com escassez de recursos hídricos, regime pluviométrico instável e aumento constante da demanda por alimentos. A irrigação, técnica milenar de fornecer água de modo artificial na quantidade e momento adequado às plantas, se tornou fundamental para a manutenção da produtividade e desenvolvimento da agricultura, especialmente em regiões onde a disponibilidade de água é limitada ou irregular.

Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a agricultura é responsável por aproximadamente 70% do consumo mundial de água. O uso intensivo e frequentemente inadequado da água na agricultura pode resultar em desperdício e degradação dos recursos hídricos. Por isso, é crucial adotar práticas e tecnologias de manejo sustentável para otimizar o uso da água, garantindo assim uma produção agrícola eficiente e responsável.

A irrigação pode ser considerada como uma das primeiras modificações no ambiente que foram realizadas pelo homem primitivo. Ela tem sido praticada a milhares de anos e foi fundamental para o desenvolvimento das grandes civilizações ao longo de rios como Nilo, Tigre, Eufrates e Amarelo. Os primeiros projetos de irrigação foram realizados pelo Faraó Menes a 5000 anos. Apesar de serem através de técnicas e materiais rudimentares desde os primórdios ficou evidente a importância do manejo eficiente da água em um sistema de irrigação.

Felizmente, com o avanço da tecnologia, produtores, projetistas e entusiastas da irrigação ganharam diversas ferramentas e soluções inovadoras para otimizar o uso da água na agricultura. Neste contexto, exploraremos algumas das aplicações de novas tecnologias no gerenciamento de água na prática da irrigação, destacando como essas inovações contribuem para uma agricultura mais sustentável e eficiente.

1. Sensores (IoT) para Monitoramento Hídrica

A agricultura de precisão tem revolucionado o setor agropecuário, permitindo aos produtores maneiras de monitorar e gerenciar suas lavouras com precisão, eficiência e menores custos. Entre os protagonistas dessa revolução estão os sensores. O uso de sensores possibilita a coleta de dados em tempo real de diversos parâmetros ambientais e agronômicos.

Entre os principais sensores utilizados na agricultura para gestão hídrica estão os de umidade do solo e os de monitoramento climático.

1.1. Sensores de Umidade do Solo

O solo desempenha um papel crucial na oferta de água para as plantas, funcionando como uma esponja natural que armazena a água nos espaços porosos entre suas estruturas. Esses espaços são fundamentais tanto para a drenagem quanto para a retenção de água, que será absorvida pelas plantas. Além disso, é nesses poros que as raízes se desenvolvem e onde vivem diversos microorganismos essenciais. O uso de sensores de umidade do solo facilita o monitoramento dessas condições, fornecendo dados precisos para a gestão hídrica


  • Sensores Baseados em Capacitância


Um dos sensores mais comuns utilizados para medir a umidade do solo é o sensor de capacitância. Ele funciona detectando mudanças na capacitância entre duas placas, as quais são influenciadas pelo conteúdo de água presente no solo. Quanto mais úmido o solo, maior a capacitância.


Figura 1. Sensor de Capacitância para umidade do Solo 


  • Tensiômetros


O tensiômetro é outro sensor bastante utilizado na agricultura de precisão. Ele mede a tensão da água no solo, refletindo a força que as plantas precisam exercer para absorver a água. Este tipo de sensor oferece uma medida indireta da quantidade de água disponível, sendo que maiores tensões indicam menor quantidade de água retida nos agregados do solo.


Figura 1. Sensor de Tensiômetro  para umidade do Solo 


  • Sensores de Resistência Elétrica


Sensores de resistência elétrica são amplamente empregados, baseando-se na medição da resistência elétrica do solo, a qual varia conforme o teor de umidade. Quanto mais água houver no solo, menor será a resistência elétrica, e vice-versa.


Figura 3. Sensor capacitância de umidade do solo 

Esses dispositivos são capazes de monitorar continuamente a umidade do solo em diferentes profundidades, permitindo que os agricultores determinem com precisão quando e quanto irrigar. Além disso, alguns sensores também podem medir a temperatura e a condutividade elétrica do solo, fornecendo informações adicionais sobre as condições de crescimento das plantas.

1.2. Sensores de Monitoramento Climático

Os sensores de monitoramento climático são fundamentais para a coleta de dados ambientais que afetam diretamente o crescimento das plantas e o manejo de recursos hídricos. Esses instrumentos geralmente incluem termômetros para medir a temperatura do ar, higrômetros para medir a umidade relativa do ar, barômetros para medir a pressão atmosférica, pluviômetros para medir a quantidade de precipitação, anemômetros para medir a velocidade e direção do vento e piranômetros para medir a radiação solar. Esses sensores geralmente estão integrados em estações meteorológicas automáticas (Figura 4).


Figura 4. Estação meteorológica automática 

Ela desempenha papel crucial na coleta de dados climáticos em tempo real, fornecendo informações essenciais para uma variedade de aplicações, desde previsão do tempo até o planejamento agrícola, zoneamento agroclimático e gestão de recursos hídricos com os dados registrados a longo prazo.

No manejo da irrigação, as estações meteorológicas são indispensáveis para otimizar o uso da água de forma eficiente. Ao monitorar parâmetros como temperatura, umidade relativa do ar, velocidade do vento e radiação solar as estações fornecem dados valiosos que permitem calcular as necessidades hídricas das culturas em tempo real. Com esses dados em mãos, os agricultores podem ajustar a programação de irrigação de acordo com as condições climáticas atuais e previstas, garantindo que as plantas recebam a quantidade ideal de água para seu crescimento e desenvolvimento.

2. Tecnologias em inteligência artificial (IA) para Gestão Hídríca

A Inteligência Artificial (IA) é uma área da ciência da computação que se dedica à criação de sistemas capazes de realizar tarefas que normalmente requerem inteligência humana. Esses sistemas são programados para aprender, raciocinar, resolver problemas, perceber o ambiente e tomar decisões. A aplicação (IA) no manejo de irrigação possibilita insights precisos e em tempo real e otimização do uso da água.

Analisando grande volumes de dados, incluindo informações climáticas, características do solo, demandas hídricas das culturas e informações sobre o uso da água, algoritmos de IA podem identificar padrões complexos e fornecer recomendações personalizadas para o manejo. No entanto, o principal benefício da utilização da IA é a capacidade de proporcionar uma manejo adaptável e inteligente considerando que a condição hídrica está em constante mudança.

Sistemas alimentados por IA podem ajustar automaticamente os níveis de irrigação com base em dados em tempo real. Isso não apenas aumenta a eficiência hídrica, reduzindo o desperdício de água, mas também melhora a saúde das plantas, evitando tanto o estresse hídrico quanto o excesso de irrigação.

Figura 5. Inteligência Artifical no Monitoramento do Uso de Recursos Naturais 

Outro aspecto importante da utilização da IA no manejo de irrigação é sua capacidade de prever e mitigar os impactos de eventos climáticos extremos, como secas ou chuvas intensas. Por meio da análise de dados históricos e modelagem preditiva, os algoritmos de IA podem antecipar condições climáticas adversas e fornecer alertas aos agricultores. Essa capacidade preditiva não apenas ajuda a minimizar os danos às safras, mas também contribui para uma gestão mais resiliente e sustentável dos recursos hídricos.

3. Geotecnologias Aplicadas à Gestão Inteligente da Água

Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) são ferramentas poderosas para a coleta, armazenamento, análise e visualização de dados em espaços geográficos. O seu uso no manejo de irrigação representa uma revolução no campo da agricultura, oferecendo uma abordagem precisa e eficiente para o uso da água.  Esses sistemas permitem a análise e interpretação dos dados especializados, proporcionando uma compreensão detalhada das variáveis ambientais que influenciam a irrigação de acordo com a posição no terreno.

Com o SIG, agricultores podem mapear e monitorar suas terras com precisão, identificando áreas que necessitam de maior ou menor quantidade de água. Uma das principais vantagens do SIG é a capacidade de integrar dados de diversas fontes, como imagens de satélite, sensores de umidade do solo e estações meteorológicas. Ao combinar essas informações, é possível criar mapas detalhados que mostram a variabilidade espacial da umidade do solo, das características do terreno e das condições climáticas.

Figura 6. Sensoriamento no Monitoramento de Recursos Naturais 

Isso permite aos agricultores planejar e executar a irrigação de maneira mais precisa, evitando tanto o desperdício de água quanto a subirrigação, que pode comprometer a produtividade das culturas.

4. Robótica na Aplicação de Água Localizada

A robótica é uma área dinâmica e em rápida evolução que está transformando diversas indústrias e aspectos da vida cotidiana, oferecendo oportunidades significativas para inovação e melhoria da qualidade de vida. O ramo tem desempenhado papel crescente na aplicação de água localizada nas culturas.

Robôs e drones equipados com sensores de imagem e sistemas de posicionamento global (GPS) desempenham um papel crucial na agricultura de precisão, especialmente no mapeamento da distribuição de umidade do solo e na identificação de áreas que requerem irrigação específica. Esses dispositivos oferecem uma solução eficiente e precisa para monitorar grandes áreas agrícolas, permitindo um manejo mais eficaz dos recursos hídricos.

Figura 7. Aplicações Localizadas com Drones 

Os sensores de imagem, como câmeras multiespectrais e infravermelhas, são capazes de capturar dados visuais detalhados sobre o estado das plantas e do solo. Essas câmeras podem detectar variações na refletância da luz das plantas e do solo, que estão diretamente relacionadas à saúde e à umidade. Por exemplo, plantas bem hidratadas refletem a luz de maneira diferente das plantas que estão sofrendo com a seca. Ao analisar essas imagens, é possível criar mapas detalhados que mostram a distribuição de umidade no solo.

Além disso, sistemas autonomos de irrigação podem ser programados para aplicar água com precisão, evitando o desperdício e maximizando a absorção pelas raízes das plantas. Essa abordagem permite uma utilização mais eficiente da água e reduz os custos associados à irrigação.

Figura 8. Sistema de Irrigação do Tipo Pivô Central 

5. Big Data na Análise e Gestão de Dados Hídricos

O Big Data refere-se à análise de conjuntos de dados extremamente grandes e complexos para extrair insights valiosos e tomar decisões informadas. Na gestão da água na agricultura, o Big Data pode ser utilizado para analisar padrões de consumo de água, prever demandas futuras e identificar oportunidades de economia. Plataformas de análise de dados hídricos integram informações de múltiplas fontes, como sensores IoT, dados meteorológicos e registros de irrigação, fornecendo aos agricultores uma visão abrangente do uso da água em suas operações.

Figura 9. Gestão da Propriedade Agrícola por Big Data 


Conclusões

Embora cada uma das tecnologias - IoT, IA, Robótica e Big Data - tenha benefícios específicos, sua verdadeira potência é percebida quando integradas em soluções holísticas de gerenciamento de água na irrigação. A integração dessas tecnologias permite uma abordagem multidimensional para a otimização do uso da água, levando em consideração fatores climáticos, características do solo, demandas das culturas e eficiência dos sistemas de irrigação. Essa abordagem integrada resulta em uma gestão mais eficaz da água, maior produtividade agrícola e menor impacto ambiental. Como resultado, a agricultura torna-se mais sustentável, resiliente e capaz de enfrentar os desafios futuros relacionados à escassez de água e mudanças climáticas.


Artigo escrito por Kamila Assis, Pesquisadora na Área de Agronegócio no FIT, Sorocaba, São Paulo. Engenheira Agrônoma. Mestra em Agronomia com Ênfase em Irrigação e Drenagem, Doutoranda em Engenharia de Sistemas Agrícolas com atuação em pesquisa e desenvolvimento nas áreas de: Sensoriamento Remoto, Modelagem Agrícola, MIP, MID, Bromatologia, Propagação Vegetal, Hidráulica, Hidroponia, Fertirrigação, Irrigação e Drenagem, Meio Ambiente e Agrometeorologia


Este projeto foi apoiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, com recursos da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, no âmbito do PPI-SOFTEX, coordenado pela Softex e publicado Residência em TIC 03 - Aditivo, DOU 01245.013770/2020-64

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