Desde pequeno já sabia que era diferente dos outros garotos, tinha algo em mim que não era igual, mas bah o meu, crescer no meu bairro naquela época era a fú pra quem não se encaixava. Eu implorava pro meu velho me deixar fazer balé, mas aquele homem bruto pilantra só me humilhava e me obrigou a fazer judô. Era uma tortura ver tanta violência todo santo dia. Os moleques adoravam me encher de porrada porque todo mundo sabia que eu não era aquele "Homem com H maiúsculo" que eles queriam.

Mas entre aqueles que me surravam tinha um cara diferente, um argentino dos diabos. Na frente dos outros me tratava que nem verme, mas depois me chamava num canto e me ajudava a limpar os machucados. O nome dele era Pela, e uma vez... Ele veio escondido lá em casa e me mostrou tudo que eu queria de verdade. Mesmo com aqueles 9 centímetros dele, foi mais que suficiente pra me deixar realizado, afinal eu era só um guri novo. Mas o velho chegou em casa, viu a cena e me encheu de porrada. Aquele dia senti a maior dor da minha vida, e não era a dor física não - era saber que nunca mais ia ver o Pela, o homem que sempre foi meu amor.

Depois disso, me tranquei no armário que nem um covarde. Conheci uma veterinária safada que adorava dar o fusquete e, melhor ainda, sempre que eu aprontava ela me punia passando aquele dedinho, mas ela não sabia que eu aprontava de propósito para ter minha recompensa. Decidi dividir meus anos com ela e nos primeiros 5 anos até que foi ótimo. Tive dois filhos lindos que achava que eram meus. Até descobrir que aquela mulher nunca tinha sido fiel, sempre que dizia que ia viajar a trabalho tava dando pro veterinário Dr. Alexandre. Nunca desconfiei, mas hoje sei que as duas vezes que ela "viajou", nove meses depois vieram os meninos.

Sobre a carnalidade toda, nem culpo ela. Aquele homem sempre foi meu maior tesão, o problema é que eu tava numa fase muito ruim. Minha empresa de estacionamentos tava indo pro saco e eu morria de medo de falir. Tentei até ser streamer, criei o "meu time é top" [www.twitch.tv] na twitch, botei 14 mil num PC bacana, mas os guri de Santos ficavam gritando "Mongolóide" pra eu tomar ban permanente.

Nessa fase desenvolvi vitiligo e os brigadianos que ficavam perto do trabalho me chamavam de vaca holandesa por causa das manchas marrons claras na pele branca. Não aguentei a traição daquela vagabunda e me permiti algo novo. O velho já não mandava em mim, eu era um homem adulto, mas queria ser quem sempre fui e escondia a sete chaves.

Depois de tanto tempo sendo feito de otário, comecei a me questionar. Explorei minha sexualidade, fiz uns amigos novos, mas acabei pegando HIV. Foi complicado, mas não deixei isso me derrubar.

Não foi fácil achar um cara que me aceitasse com meu “jeito cabeçudo de ser”. Afinal, eu tinha a pele cheia de manchas, brochava e ainda era calvo e pior eu estava com hemorroida o que complicou muito meus relacionamentos.

Foi aí que decidi: vou pra Argentina tirar umas férias e quem sabe achar meu amor! E não é que encontrei o Pela de novo? O mesmo cara que me iniciou na juventude, hoje é meu marido. Foi difícil ser aceito pela família, amigos e filhos. Mas meu irmão mais novo que sempre fui o pai que ele nunca teve foi o meu heroi naquele momento, me deu rivotril quando eu mais precisei.

Hoje, seis anos depois, tô mais feliz que nunca. Ainda tenho minhas lutas, mas aprendi a me amar e me aceitar. Sei que minha vida não é aquela tradicional que a sociedade espera, mas finalmente tô vivendo minha verdade e é isso que importa!